Quando o apito
Da fábrica de tecidos
Vem ferir os meus ouvidos
Eu me lembro de você
Mas você anda
Sem dúvida bem zangada
Ou está interessada
Em fingir que não me vê
Você que atende ao apito
De uma chaminé de barro
Porque não atende ao grito
Tão aflito, da buzina do meu carro
Você no inverno
Sem meias vai pro trabalho
Não faz fé no agasalho
Nem no frio você crê
Mas você é mesmo
Artigo que não se imita
Quando a fábrica apita
Faz reclame de você
Nos meus olhos você lê
Que eu sofro cruelmente
Com ciúmes do gerente
Impertinente, que dá ordens a você
Sou do sereno
Poeta muito soturno
Vou virar guarda-noturno
E você sabe porquê
Mas você não sabe
Que enquanto você faz pano
Faço junto do piano
Estes versos pra você
Você que atende ao apito
Ao apito de uma chaminé de barro
Porque não atende ao grito
Tão aflito, da buzina do meu carro
Noel Rosa
1970 - Miltinho e a Seresta
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